A violência no namoro é um fenómeno complexo, que vai muito além das agressões físicas visíveis. Do ponto de vista psicológico, ela é um padrão de comportamento onde um dos parceiros utiliza a violência (física, psicológica, sexual, social, económica ou tecnológica) com o objetivo de controlar, dominar e submeter o outro.
É crucial entender que esta violência não é um episódio isolado de "mau humor" ou uma discussão ocasional; é um padrão repetitivo e intencional de abuso de poder que tende a piorar ao longo do tempo.
Tipos de Violência no Namoro e suas Manifestações Psicológicas
A violência no namoro manifesta-se de diversas formas, cada uma com o seu impacto psicológico:
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Violência Psicológica/Emocional: Muitas vezes precede ou acompanha outras formas de violência e é a mais difícil de identificar por não deixar marcas físicas. Inclui:
- Humilhações e Insultos: Rebaixar a autoestima, fazer a vítima sentir-se inútil ou inadequada.
- Ameaças e Intimidação: Gerar medo e ansiedade, mantendo a vítima em estado de alerta constante.
- Controlo Excessivo: Controlar a roupa, os horários, as amizades, as atividades, o telemóvel, as redes sociais. Isso leva ao isolamento social e à perda de autonomia.
- Ciúme Obsessivo e Possessividade: Confundido por vezes com "prova de amor", mas na verdade é uma tentativa de controlo e manipulação, gerando insegurança e desconfiança.
- Gaslighting: Manipulação psicológica onde o agressor faz a vítima questionar a sua própria perceção, sanidade e memória, levando a confusão e perda da noção da realidade.
- Ameaças de terminar a relação: Usado como estratégia de manipulação para submeter o outro.
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Violência Social: Isolar a vítima de amigos e família, envergonhá-la em público, mexer no telemóvel ou vigiar redes sociais sem permissão.
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Violência Física: Empurrões, beliscões, bofetadas, pontapés, puxões de cabelo, atirar objetos. Além da dor física, gera medo, ansiedade e a sensação de estar em perigo constante.
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Violência Sexual: Beijos, toques ou atos sexuais não consentidos. Causa trauma profundo, perda de autonomia sobre o próprio corpo e sentimentos de violação e humilhação.
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Violência Económica: Controlar o dinheiro, roubar bens, pressionar para pagar despesas pessoais. Leva à dependência e à perda de liberdade financeira.
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Violência Tecnológica/Perseguição (Stalking): Monitorizar atividades online, exigir passwords, enviar mensagens excessivas, rastrear a localização. É uma forma de controlo e invasão da privacidade.
Fatores Psicológicos Contributivos e o Ciclo da Violência
A violência no namoro não acontece por acaso, e existem dinâmicas psicológicas que a sustentam:
- Desequilíbrio de Poder: A violência é sempre sobre o poder. O agressor busca dominar e controlar, enquanto a vítima perde progressivamente a sua capacidade de agência e autoestima.
- Crenças e Atitudes Prejudiciais:
- Legitimação da violência: A crença de que certos comportamentos violentos são aceitáveis (ex: ciúme como prova de amor; empurrar sem deixar marcas não é violência). Estudos mostram que há uma legitimação preocupante da violência, especialmente comportamentos de controlo e perseguição.
- Estereótipos de Género: Normas sociais rígidas sobre o que é ser "homem" ou "mulher" podem perpetuar a violência. O agressor pode acreditar que tem direito a controlar o parceiro, e a vítima pode internalizar a ideia de que deve ser submissa.
- Falta de competências: Deficiências na comunicação, na resolução de conflitos e na regulação emocional.
- História Pessoal:
- Exposição à violência: Viver ou ter vivido em ambientes onde a violência é normalizada (violência intrafamiliar) aumenta a probabilidade de perpetrar ou ser vítima de violência em relações futuras.
- Traumas anteriores: Podem tornar a pessoa mais vulnerável a entrar e permanecer em relações abusivas.
- Baixa Autoestima: Tanto o agressor (que pode usar a violência para compensar inseguranças) quanto a vítima (que se torna mais suscetível à manipulação e aceitação do abuso).
- O Ciclo da Violência: É um padrão que ajuda a explicar por que as vítimas permanecem na relação. Geralmente, tem três fases:
- Fase 1: Aumento da Tensão: O agressor torna-se irritadiço, tenso, humilha. A vítima tenta acalmar, evitar "provocar", sentindo medo e ansiedade.
- Fase 2: Explosão (Ato de Violência): Ocorre a agressão (física, verbal, etc.). A tensão acumulada explode. A vítima sente paralisia, medo intenso, vergonha.
- Fase 3: Lua de Mel/Reconciliação: O agressor demonstra arrependimento, pede desculpa, promete mudar, oferece carinho e atenção. A vítima pode sentir esperança, perdoar e acreditar na mudança, o que reforça o ciclo. Com o tempo, as fases de tensão e explosão tendem a encurtar e a intensidade da violência aumenta.
Impacto Psicológico na Vítima
A violência no namoro tem consequências devastadoras na saúde mental da vítima:
- Baixa Autoestima e Autoconfiança: A constante depreciação e controlo minam a perceção do próprio valor.
- Ansiedade e Depressão: São das consequências mais comuns, resultantes do medo, stress contínuo e desespero.
- Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD): Especialmente em casos de violência física ou sexual, a vítima pode reviver os eventos, ter pesadelos e evitar situações que a lembrem do trauma.
- Isolamento Social: A vítima afasta-se de amigos e familiares devido ao controlo do agressor ou por vergonha.
- Dificuldade de Concentração e Problemas de Sono: A constante tensão afeta o funcionamento cognitivo e o descanso.
- Sentimentos de Culpa e Vergonha: A vítima muitas vezes internaliza a culpa pela violência, acreditando que a provocou ou que a merece.
- Dificuldade em Estabelecer Limites: A perda de autonomia e o medo de represálias dificultam a capacidade de se proteger.
- Normalização do Abuso: Com o tempo, a vítima pode passar a percecionar o comportamento violento como "normal" ou até como uma "prova de amor".
- Aumento de comportamentos de risco: Abuso de álcool/drogas, pensamentos suicidas.
A Importância da Ajuda Psicológica
Reconhecer que se é vítima de violência no namoro é o primeiro passo. Procurar ajuda psicológica (psicólogo clínico ou escolar) é fundamental para:
- Quebrar o ciclo: Ajudar a vítima a entender a dinâmica da violência e a desenvolver estratégias para sair dela.
- Reconstruir a autoestima: Trabalhar na recuperação da autoimagem e do valor pessoal.
- Lidar com o trauma: Processar as experiências traumáticas e desenvolver mecanismos de coping.
- Promover a autonomia: Ajudar a vítima a retomar o controlo sobre a sua vida e decisões.
- Apoio na denúncia: Se a vítima decidir denunciar, o apoio psicológico é crucial durante o processo.
A violência no namoro é um problema sério que requer atenção e intervenção. Ninguém merece viver uma relação onde há violência. Se conhece alguém nesta situação ou se é vítima, procure ajuda. Em Portugal, a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) oferece apoio gratuito e confidencial.

